Cada um tem a Sofia que merece.
Aquela nĂ£o era uma manhĂ£ comum, sabia-se desde que o sol decidiu nascer. Sentia-se na noite passada, fria, quando jantaram sopa. EntĂ£o, aquela manhĂ£ era diferente. Via-se na cor, aspirava-se no aroma, ouvia-se nos ruĂdos ou na ausĂªncia dos mesmos. O mais importante: sentia-se na brisa. Fria. Nada habitual, a nĂ£o ser o cansaço de Artur. Estava exausto hĂ¡ dias ou meses. HĂ¡ quanto tempo sentia-se assim? Sua cabeça nĂ£o parava. Ebulia em pensamentos desde que tiveram que mudar para um apartamento menor nos arredores do centro da cidade no ano passado ou retrasado. Preocupava-se com as contas de gĂ¡s, Ă¡gua e luz. Pensava no trabalho. Como odiava o lugar, o chefe e a secretĂ¡ria. Mas, bem, dizia eu: aquela nĂ£o era uma manhĂ£ comum.
Artur acordara havia meia-hora e permanecera na cama, como um retrato de sua noite, dividida em meias-horas. Levantara-se e caminhava para o banheiro enquanto a mulher dormia. Pegara a lĂ¢mina de barbear quando olhou pela primeira vez para o espelho do banheiro. A face cansada como se tivesse envelhecido anos nos Ăºltimos dias. Ou seriam meses? Enfim, barbeou-se. Na cozinha, tomou o cafĂ© preto, forte, enquanto olhava para a sopa fria que Sofia preparara na noite anterior e que seria servida hoje tambĂ©m.
Sentia-se cansado quando cumprimentou o porteiro, apenas com um aceno e um meio sorriso caĂdo, exausto. Caminhava para o trabalho. NĂ£o porque gostava, mas porque precisava. Apreciava exercĂcios fĂsicos, frequentara uma academia por um tempo e o futebol de sĂ¡bado era sagrado. O que nĂ£o o agradava, mesmo, era caminhar. Apesar de estudos dizerem que tem o poder de acalmar. Ă€s vezes, era como os doces que podem acabar com momentos de ansiedade de alguns e causar paranĂ³ias sobre calorias e gorduras em outras. Ou como a televisĂ£o que pode divertir e relaxar indivĂduos e causar aquele repĂºdio a futilidade e um acesso de vergonha alheia em outros. Acontece que caminhava. Tomara um caminho diferente, afinal, aquela nĂ£o era uma manhĂ£ comum. Pensava nos problemas, ou na falta de soluções e se perdeu em devaneios. Perdeu-se no caminho. E assistiu a um acidente entre um caminhĂ£o e uma mulher da idade de Sofia. PĂ´s-se a pensar na fragilidade da vida e nos segundos que podem mudar uma histĂ³ria. Para melhor ou pior. Como um acidente que te leva tudo embora: os sapatos, o amor, a vida. Ou como a vitĂ³ria milionĂ¡ria em um jogo. Por que nĂ£o ganhava nada em que apostava? Apostava na Sena regularmente, apostou na nova carreira, apostou num romance que todos eram contra. O fato Ă© que caminhava, perdeu-se e chegou ao trabalho. Ainda perdido.
Entrou no lugar, cumprimentou a secretĂ¡ria, acenou com a cabeça e o meio sorriso sem graça que sĂ³ ele sabia dar ao chefe. Sentou-se em frente ao monitor e começou a trabalhar. Digitou, digitou, e verificou o relĂ³gio. Cinco minutos. Pesquisou, copiou, colou. TrĂªs minutos. Apagou tudo, reescreveu. Dois minutos. Editou, modificou, nĂ£o salvou. Um minuto. Hora do almoço.
NĂ£o sentia fome, acostumara-se a viver Ă base de cafĂ©, cerveja e sopa. Foi apenas a padaria da esquina para afastar-se do trabalho e do restaurante aonde todos iam. Precisava de um ar diferente. Pensou em comprar um maço de cigarros. Nem fumava. Terminou por comer um misto e tomar uma Coca-Cola gelada.
Voltou Ă sala e ao ar condicionado. Sentou-se e admirou a foto de Sofia na sua mesa. Se Ă© que se podia chamar aquilo de mesa. Era apertada, estranha e amarelada demais para o seu gosto. Mas combinava com a nostalgia e com o rosto da foto. NĂ£o era bela, mas era charmosa. AtraĂa a muitos caras e Artur nĂ£o era realmente ciumento. Ou era, mas preferia guardar pra si, sempre. Enfim, pĂ´s-se a teclar, clicar, telefonar. Fingiu que trabalhava atĂ© a hora em que decidiu: Precisava de um cafĂ©!
Desviou da roda de conversa e se dirigiu a cafeteira. A mĂ¡quina quebrada sĂ³ possuĂa Ă¡gua fria. Como a brisa daquele dia, como a sala toda e a cadeira para a qual voltou. Digitava, apagava, reescrevia. Artur trabalhava ou fingia que o fazia. AtĂ© as dezessete horas, quando largou tudo, desligou o computador e tentou desligar os pensamentos. Passou pela secretĂ¡ria, com o seu sorriso sem graça e desviou-se do caminho do chefe. Apertou o botĂ£o do elevador. Esperou. Um, dois, cinco minutos. Quanto tempo mesmo? Desceu as escadas.
Chegou Ă rua quase correndo, suava frio. Seguiu para a direĂ§Ă£o mais fĂ¡cil: Em frente. Ou para a mais difĂcil. Depende do ponto de vista. Sem saber aonde ia, apenas corria.
EntĂ£o, ele viu Carlos.
E o seguiu. E entĂ£o viu Sofia. Mas ela nĂ£o o via. Assistia a tudo e ninguĂ©m parecia perceber. Fato Ă© que via os dois e sentia tudo. Tudo tĂ£o frio. Como a brisa daquele maldito dia. Fato Ă© que via os dois e sofria. Sofria. Sofia!
*Para fins de direitos autorais, declaro que as imagens utilizadas neste post nĂ£o pertencem ao blog. Qualquer problema ou reclamaĂ§Ă£o quanto aos direitos de imagem podem ser feitas diretamente com nosso contato.
E o seguiu. E entĂ£o viu Sofia. Mas ela nĂ£o o via. Assistia a tudo e ninguĂ©m parecia perceber. Fato Ă© que via os dois e sentia tudo. Tudo tĂ£o frio. Como a brisa daquele maldito dia. Fato Ă© que via os dois e sofria. Sofria. Sofia!
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